Lispector

O sentimento difuso
Poderia ser amor
Ou outro qualquer
De nome incriado.

Da boca do estômago,
Sobe e converte-se
Em gosto estranho
No céu da boca.

A luz sobre as coisas
Transpassa-as,
Mostrando-lhes o âmago,
Tornando-as nítidas,

Mas embaralhando-as,
Recombinando-as
E extraindo delas
Novos significados.

As coisas têm gosto,
Como os sentimentos.
O travo amargo
Abranda e adoça.

As palavras escritas
Ressoam, não no ar,
Nem ressoam, calam,
Entre o ouvido e a nuca.

As vozes das coisas
Impressas no livro
Vêm dos sentimentos
Dispersos no corpo

E não é possível
Saber se as palavras
Dão vozes às coisas
E nomes aos gostos

Ou apenas descrevem
Sentidos esparsos
E gritam no espaço

Esperando resposta.

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