1.
Quando te conheci, por muito tempo
Passei levando chuva na cabeça.
Mal saía de casa descoberto,
Já desaguava tempestade aberta,
E não adiantava proteger-me,
Pois era quase sempre surpreendido;
A chuva me impedia de esquecer-te,
O que, no fundo mesmo, não queria.
E nem sequer cheguei a concluir
Se eu atraía a chuva sem ciência
Ou se era você que ma mandava,
Gozando de minha condescendência.
2.
Não atrevo-me a blefar o esquecimento,
Mas deixei de molhar-me pela rua.
Apoderei-me de meu sentimento,
E o visto cômodo como uma luva.
Contudo, me permito contempla-la,
Estacionado à beira do abismo;
A ponto de às vezes imaginar
Como seria bom o cataclismo
Então sinto saudades da tormenta
E quando a vejo sinto quase a água,
Enquanto esbravejo no pensamento:
— Por que é que esta chuva não desaba?
A João Cabral de Melo Neto
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